Abandone a Propriedade em Condomínio: Faça a Estremação Extrajudicial.
Por: Frederico Ozanam Carvalho de Rezende
1. Aspectos Históricos da Propriedade
O Brasil, a partir da colonização portuguesa, vivenciou muitos problemas no campo e no meio urbano. As terras brasileiras sempre foram atrativas pela sua riqueza e desafiadoras pela sua extensão. A colonização portuguesa iniciou, no campo, uma concentração fundiária que perdura há séculos.
Historicamente, “as terras brasileiras eram de propriedade da Coroa Portuguesa, e a sua partilha se deu inicialmente por meio das capitanias hereditárias, que eram doadas a pessoas de confiança da Coroa” (GUITARRA, 2022). Essa partilha, segundo Paloma Guitarra (2022), serviu para o estabelecimento dos português no Brasil e para que houvesse o domínio sobre o novo território.
Com o estabelecimento das capitanias em solo brasileiro, surgiu o sistema de sesmarias. Nesse sistema a propriedade, recebida por meio de doação da Coroa Portuguesa, deveria ser uma propriedade produtiva. Esse sistema vigorou desde o século XVI até o início do século XIX, findando em 1822. Até então, o Brasil não possuía nenhuma legislação sobre a propriedade imóvel no país. Com isso, as chamadas “terras devolutas, isto é, aquelas terras que foram abandonadas pelos seus antigos donos (sesmeiros, no caso) e não pertenciam à Coroa, podiam ser livremente ocupadas" (GUITARRA, 2022).
Foi nesse contexto histórico que, em 1850, foi promulgada a Lei de Terras. Essa lei estabeleceu que a única forma de se adquirir propriedades no Brasil seria por meio da compra direta.
A Lei de Terras atraiu muitos imigrantes, que ansiavam por uma nova vida. Contudo, a aquisição de terras era um sonho de difícil realização pela presença da grilagem. Essa atividade dos grileiros, rotulada de má-fé e ilegalidades, acentuou a desigualdade no campo e agravou a questão fundiária brasileira. Muito lucraram os grandes proprietários, porque se apossaram de diversas terras abandonadas e de terceiros (GUITARRA, 2022).
2. A Propriedade na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil Brasileiro
Por esses e muitos outros motivos históricos, quando da promulgação da Carta Magna de 1988, foi necessário estabelecer diretrizes para uma utilização mais efetiva do solo e o consequente combate à concentração fundiária. A Constituição Federal, visando o equilíbrio social, trabalha pela eliminação dos vícios de outrora e pela manutenção do direito de propriedade.
Assim, o enaltecimento do princípio da função social da propriedade é um claro exemplo de como deve ser aproveitado, distribuído e utilizado o solo brasileiro. A Constituição Federal, dentre outras inúmeras benesses, garante o direito à propriedade, estabelece que haverá regras para a desapropriação, defende a propriedade rural de pequeno porte trabalhada pela família.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;
O direito de propriedade encontrou importante respaldo constitucional no artigo 5º, inciso XXII. A doutrina conceitua a propriedade como “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha” (DINIZ, 2012, p. 129). Por outro lado, Tartuce e Simão entendem que:
A propriedade é o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-se de um direito fundamental, protegido no art. 5º, inc. XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade. A propriedade é preenchida a partir dos atributos que constam do Código Civil de 2002 (art. 1.228), sem perder de vista outros direitos, sobretudo aqueles com substrato constitucional (TARTUCE; SIMÃO, 2012, p. 102).
Nesse sentido, o Código Civil elenca que o proprietário tem o direito de usar, frutificar, dispor e reaver qualquer bem que seja de sua propriedade. Cabe destacar que a propriedade deve ser utilizada em consonância com suas finalidades econômicas e sociais. E que é possível a desapropriação por motivos de interesse público, mediante prévia e justa indenização.
Ademais, o domínio sobre a propriedade é pleno e exclusivo do proprietário, salvo prova em contrário. A partir do artigo 1.228, do Código Civil, o legislador apresenta o direito de propriedade no Brasil. Cita-se, à continuação, alguns pontos mais relevantes.
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
(...)
Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.
De acordo com os conceitos de propriedade, com o texto constitucional e os artigos do Código Civil sobre esse direito patrimonial, é possível chegar a um denominador comum para o direito de propriedade.
O direito de uso se traduz na possibilidade de usufruir daquele bem ou, até mesmo de emprestá-lo ou alugá-lo para terceiros, preservando o domínio sobre o patrimônio. Já o direito de frutificar denota a percepção dos rendimentos extraídos desse bem.
O direito de alienar (dispor) reflete a vontade de domínio sobre o direito real à propriedade, porque é possível a doação, permuta ou venda do bem. É importante destacar que essas características são aplicáveis aos bens móveis e imóveis.
Já as formas de aquisição, originária ou derivada, podem sofrer certa variação quanto ao tipo de bem. Será tratado, na sequência, sobre as formas de aquisição dos bens imóveis.
3. Formas de Aquisição da Propriedade Imóvel
Prevê o código civilista brasileiro, no artigo 1.227, que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código” (BRASIL, 2022). Como a propriedade está classificada como um direito real, em regra, para a sua aquisição é necessário o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Assim, o Código Civil estabelece quatro formas de aquisição da propriedade imóvel: a usucapião, o registro de título, a acessão e a sucessão hereditária. Os doutrinadores agrupam essas formas de aquisição da propriedade em dois modos: aquisição originária ou derivada.
Segundo Gazzi, "a aquisição originária decorre de um fato jurídico que permite a aquisição da propriedade sem qualquer ônus ou gravame. O que se analisa são os requisitos legais para a obtenção de uma propriedade sem a necessidade da autonomia privada”. Ao seu turno, “a aquisição derivada é aquela pela qual a autonomia das partes faz com que a propriedade seja transferida de uma pessoa para outra, exigindo, a legislação, certas formalidades e solenidades” (GAZZI, 2022).
Complementando o conceito de aquisição originária, Carlos Roberto Gonçalves ensina que:
O indivíduo, em dado momento, torna-se proprietário de um bem por fazê-lo seu, sem que lhe tenha sido transmitido por alguém, ou porque jamais esteve sob o domínio de outrem. Não existe uma relação causal entre a propriedade adquirida e o estado jurídico anterior do próprio bem” (GONÇALVES, 2009).
Quando a aquisição envolve contrato registrado no cartório de imóveis ou quando ocorre a sucessão hereditária, configura-se a aquisição derivada que, nas palavras de Gonçalves resultam “de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade” (GONÇALVES, 2009).
Portanto, chegando a um denominador comum, a usucapião e a acessão são consideradas espécies de aquisição imobiliária originária. Já a sucessão hereditária e o registro público de título são formas de aquisição derivada da propriedade imóvel.
Nessa perspectiva, é muito comum a aquisição de propriedade pela sucessão hereditária. Além do mais, em muitos casos, os herdeiros terão direito a poucos bens que, geralmente, após o rito do inventário ou o cumprimento das solenidades do testamento, são postos em condomínio.
Com isso, nasce uma cotitularidade dominial sobre os mesmos bens que estabelece, para cada condômino, direito a uma fração ou parte ideal sobre a coisa (LOUREIRO apud PEREIRA, 2002, p. 15).
Há formas para solucionar esse impasse condominial. Afinal, a vontade de algum dos condôminos pode ser prejudicada, porque devem ser respeitados os direitos dos demais co-proprietários do bem ou bens.
Surge, portanto, a possibilidade de realização da estremação extrajudicial. Um instituto jurídico disponível para a sociedade que, de forma simples e eficiente, pode resolver problemas relacionados à venda ou disposição da quota-parte devido ao interessado.
4. Regularizando Meu Imóvel Através da Estremação Extrajudicial
Todos os dias, muitos imóveis são herdados no Brasil. Mas, se a pessoa não é a única herdeira, é comum a formação de um condomínio geral entre os beneficiários daquela mesma herança. Então vem a dúvida: dá pra individualizar somente uma parte do bem imóvel? E a resposta é afirmativa.
A estremação extrajudicial é uma das formas de regularização de imóvel que se encontra em regime de condomínio. Segundo o dicionário Aurélio “estremar” significa “demarcar com estremas; delimitar, demarcar; separar, dividir, apartar” (AURÉLIO, 2022).
Portanto, a ideia do instituto da estremação é definir qual é a exata fração do imóvel que pertence a um determinado condômino isoladamente. Nessa situação, o ideal é que os condôminos ocupem uma determinada gleba da área total do imóvel há mais de cinco anos.
A estermação visa limitar, impor divisas e confrontações a uma parte ideal do imóvel em situação de condomínio. Assim, a situação jurídica e registral do imóvel poderá condizer com sua realidade fática. A estremação permite a extinção parcial do condomínio para aquele que assim o requerer. Também gera muitas vantagens, porque a pessoa interessada:
1) se torna proprietária exclusiva daquela fração ideal, pois terá uma matrícula individual e independente;
2) precisará apenas da anuência dos confrontantes da área a ser estremada, sem necessidade de intervenção de todos os demais condôminos;
3) será desnecessária a apuração da área remanescente na matrícula original;
4) terá maior segurança e facilidade para vender seu imóvel a terceiros;
5) será mais simples inventariar o imóvel, pois não dependerá mais daqueles que eram seus condôminos.
Cabe destacar que a estremação extrajudicial é cabível tanto para imóveis urbanos quanto rurais e pode ser realizada, de forma rápida e simples, diretamente nos cartórios.
Se você possui algum imóvel em condomínio, individualize seu patrimônio e garanta a exclusividade de domínio sobre sua propriedade. Ficou com alguma dúvida? Converse com um advogado.